Blogia
ilustre desconhecido

O Licantropo

Um ar gélido atravessa-me a espinha

Tolhe-me os movimentos

A noite chega trazendo a cacimba e o silêncio que me petrifica

Um fluido pegajoso cola-se-me à pele

Estou ensanguentado

A ferida que julgava sarada voltou a sangrar

E hei-me de novo assustado na urgência de um recanto

Um local recôndito

Uma caverna qualquer

Não necessitarei já de curativos

Nem tão pouco de calor animal...

Anseio apenas adormecer esta dor e extinguir-me nela

Onde não estorve a passagem

Onde as moscas não dêem comigo e os pássaros me não biquem os olhos

Um buraco onde lamber as feridas

Longe dos olhares lancinantes de quem irrompe no amanhecer

Logo nascerá o dia e as luzes que me vigiam

Diluir-se-ão na manhã efervescente

Os humanos regressarão à cidade

Dilacerados, todos...

Feridos de morte, alguns

Disfarçam as chagas dos espelhos acusadores

Tal como eu

E tal como eu não podendo se esconder

Um momento que seja

Ao longo de todo um doloroso dia

Desesperados, aguardarão o cair da noite

Para lamber as feridas

Em silêncio

A sós

Muitos refugiar-se-ão aqui na serra

E aqui derramarão prantos selváticos sob as luzes da cidade que os destrói

E à qual terão que regressar com a alma tatuada de uivos silenciados

Sufocados

Até a noite os libertar




José Leal

1 comentario

100chave -

O lobo não tem que ser, necessariamente, mau. O lobo tb chora. O lobo tb sente. O lobo tb é gente. E há gente que assim se sente e outros que o não presentem. E assim seguem uivando.
Fica bem,